''Adoro tirar fotos, meu sonho é ser modelo'', diz jovem com microcefalia
Aos 17 anos, Ana
Victória Lago quer quebrar barreiras de preconceito e ser a primeira modelo
com microcefalia a desfilar profissionalmente. Incentivada por uma agência de
talentos de Manaus, onde vive, a adolescente está trabalhando para realizar o
feito.
Tudo começou quando a mãe da jovem, Viviane, 36, a levou – junto com a irmã, Maria Luiza, 15 – para participar de um projeto com pessoas com deficiência [ambas nasceram com a condição neurológica rara] promovido pela agência. Segundo Creusa Rodrigues, gerente da empresa, quando Ana chegou para fazer as fotos do ''Arte Sem Preconceito'', chamou atenção.
''Temos uma metodologia para trabalhar com essas
pessoas. E quando a Ana chegou, respondeu muito bem a tudo o que pedíamos. Ela
é linda, tem altura e só precisa trabalhar a postura de passarela. Vale a pena
investir'', contou.
Em um áudio enviado pela mãe – Ana tem dificuldades para
engrenar uma conversa –, a futura modelo de passarela falou sobre o momento de
felicidade. ''Meu sonho é ser modelo, gosto de passarela. Adoro tirar fotos. E
estou gostando muito de tudo isso''.
Diante do talento visto por Creusa e da vontade da garota,
Viviane decidiu aceitar o convite da agência. Como não tinha condições de
bancar as fotos profissionais, pediu ajuda no Facebook. ''Publiquei o pedido e ela teve estúdio e fotógrafo de
graça. Uma loja fez o figurino, uma amiga fez o cabelo, outra a maquiagem e vi
tudo acontecer em três dias. Foi uma emoção grande, chorei muito''.
O diagnóstico
O pré-diagnóstico veio aos seis meses de gestação, quando
uma ultrassonografia apontou que o perímetro cefálico do bebê era 30,5 cm – a
medida considerada normal é de a partir de 31,5 cm. Desde que Ana nasceu, a
mãe, na época com 18 anos, decidiu deixar tudo de lado para cuidar das
necessidades e estimular a menina, além do acompanhamento de fisioterapia e
fonoaudiologia.
''Há 17 anos, pouco se falava sobre a microcefalia e a
internet só trazia coisas ruins, crianças com problemas muito severos. A única
coisa de concreta que eu tinha era um laudo dizendo que minha filha não iria
andar ou falar''.
O resultado do esforço de Viviane foi ver Ana balbuciar as
primeiras palavras aos dez meses e andar com 1 ano. ''E agora vou vê-la
desfilar. Minha vida é estimular as minhas filhas''. E ter essa oportunidade de
trabalho não deixa de ser um incentivo. ''Antes de poder fotografar, ela era uma
criança. Agora tomou conta da idade que tem e se comporta como tal. Os
benefícios serão para o resto da vida''.
Além de Ana e Maria, Viviane também é mãe de Julia, 10. Ela
conta que, na época do nascimento das duas primeiras meninas, não tinha
dinheiro para fazer um mapeamento genético. Entretanto, uma médica que
acompanhou as crianças alertou sobre a possibilidade de a condição ser, sim,
genética.
''Ela me disse que, a cada gestação, teria 25% de chance de
ter uma criança com microcefalia ou outra deficiência, mas não soube dizer de
onde vinha porque não fiz o mapeamento''.
Pela inclusão
O boom da microcefalia, que aconteceu em 2016, levou Viviane
a criar um grupo no WhatsApp, o ''Mães de Anjos Unidas'', para falar a respeito do problema. Hoje, a iniciativa
se desdobrou em outros 13 grupos e ela está em contato com mais de 1.000 mães
de todo o país.
''A inclusão está chegando a outros níveis e o que está
acontecendo com a minha filha vai abrir portas para essa geração de crianças.
Pode ser que eu não veja todo o progresso, mas estarei deixando a minha
contribuição''.
Viviane fala com tristeza sobre os preconceitos que já viveu
– e vive – ao lado das filhas. Mas diz que esses acontecimentos dão ''força para
seguir em frente''. As fotos que Ana fez estão repercutindo e ela já recebeu
mensagens de que não deveria expor a adolescente.
''Estou expondo o que? É mais fácil dizerem isso
do que aceitarem que uma pessoa com microcefalia pode fazer parte desse mundo.
O preconceito evolui, muda de acordo com a idade das minhas filhas e, enquanto
isso, o ser humano segue estagnado''.